Um texto provocativo e muito bem escrito.
Davi da Silva OliveiraCurso: Letras português/inglês - segundo períodoTurno: Noite
"Boa tarde, professor [Erivelto Reis]. [...] Agradeço pela sua atenção ao ler meu texto. Também gostaria que saiba que me sinto muito honrado por ter recebido elogios de sua parte."
Desprezo
Davi
da Silva Oliveira
Boa noite. Sei que não costumo falar
muito, mas ontem tive um sonho um tanto curioso e gostaria de compartilhar.
Dois homens, muito bem arrumados,
conversavam no que parecia ser um quarto. Um deles era um baixinho muito esperto.
Usava uma camisa branca e uma jaqueta escura, tinha uns olhos claros e estava
bastante agitado. O outro aparentava ser um senhor um pouco mais velho. Tinha
cabelos branquinhos, usava roupas sociais, mas tinha um semblante um pouco
caído, como se estivesse bastante doente.
Não entendi muito bem a conversa.
Pareciam reclamar de suas vidas.
- Olá,
senhor Vaio. Como vai o senhor? - perguntou o baixinho ao velho.
- Não
muito bem. Ultimamente tenho sentido dores de cabeça, perda de memória e
sinto-me mais lento a cada dia. Eu só queria descansar um pouco de vez em
quando, mas nunca consigo. Sempre tem pesquisas à serem feitas, e-mails à serem
lidos ou jogos à serem jogados.
- Sei
como é. Eu também gostaria de pelo menos um dia sem fazer nada. Apenas descansar.
Já estou farto de tantas notificações de mensagens. É uma atrás da outra, sem
um descanso sequer, e quando não são mensagens, são vídeos, fotos, músicas... É
um tormento.
Enquanto os dois continuavam suas
reclamações, outra figura entrou no quarto. Era uma jovem senhora. Esbelta, bem
definida, de vestido azul... Um azul meia-noite, e também parecia apenas
reclamar.
- Vaio,
Samuel, boa noite. - cumprimentou a senhorita.
- Boa
noite, Samanta. Como foi o seu dia? - perguntou o senhor Vaio.
- Cansativo,
como sempre. O dia inteiro ligada em filmes. Quando não, são séries, programas
de culinária, desenhos. Puxa vida! O que eu não faria por um dia de descanso.
- Era
exatamente sobre isso que estávamos falando. - comentou o baixinho Samuel,
muito aborrecido.
Mais uma vez, uma nova figura entra em
cena. Desta vez é um homem imponente, alto, nem gordo nem magro, parecendo um
executivo importante. Ele usava um terno preto como as teclas de um piano, e
sua gravata mudava de cor, como se fosse feita de luz.
- Ora, ora. Vejam quem veio visitar a plebe. - disse Samanta com certo
sarcasmo.
- Se não é o “senhor todo-poderoso”.
Boa noite, Vossa Alteza. – falou Samuel com tom de deboche.
- Boa
noite, Sony. Como tem passado? – perguntou Vaio.
- Muito
engraçado. Boa noite senhores e senhorita. Mesmo eu preciso de um descanso.
Trabalhando todos os dias, com pequenas pausas apenas. Ainda mais agora que
todas as histórias foram concluídas. Sou obrigado a apagá-las e refazê-las
inúmeras vezes. Será que um dia de descanso é pedir demais? Ou pelo menos uma
história nova. – desabafou Sony.
Todos continuaram suas lamúrias, cada
um aparentando estar mais cansado que o outro. E enquanto competiam para ver
quem tinha a pior vida, foram interrompidos por uma voz que não lhes era
familiar.
- Por
que reclamam de tanto trabalhar? Por acaso gostariam de estar na minha
situação? – disse uma voz fraca e cansada que expressava uma tristeza
profunda e angustiante.
- Quem
disse isso? – perguntou Samuel, assustado.
- Já
há algum tempo ouço vocês conversando, reclamando de suas vidas por serem muito
requisitados, sempre trabalhando, sempre ocupados. – replicou a voz.
- Quem
está aí? – perguntou Vaio com certo receio.
Mas a voz, ainda sem se identificar
continuava.
- Vocês
dizem querer pelo menos um dia de descanso. Eu gostaria de pelo menos um dia de
trabalho. Um dia sendo utilizado.
- Acho
que a voz vem dali. – disse Samanta enquanto apontava para um canto do
quarto que estava sempre escuro, sem receber atenção dos que ali entravam, como
se nada nele houvesse.
- Vocês
possuem nome, identidade, personalidade. Eu? Muito mal uma existência. Vocês
são levados para outros lugares, conhecem outras pessoas, fazem amigos. Minha
única amizade é a escuridão que me rodeia. – seguia a voz com seu lamento.
- Por
que se esconde nas sombras? – perguntou Sony.
- Não
me escondo como afirmas, caro senhor. Assim como foram colocados nos lugares
mais claros e vistosos da casa por aquele que lhes possui, também eu fui aqui
deixado e esquecido por aquele a quem um dia apresentei minhas histórias,
minhas poesias e meus contos, mas que pareceu não se interessar, e a este canto
escuro e frio escolheu para me dar por lar.
Os quatro então já inconformados com o
suspense, perguntaram mais uma vez o nome da voz e pediram para que se mostrasse.
Foi quando então surgiu uma sombra em forma de homem daquele canto já há muito
tempo sem luz. Conforme caminhava na direção dos quatro, a então sombra passava
a mostrar braços e pernas. Mais um pouco e era possível ver traços de roupas, e
até uma face.
Cabelos mais brancos dos que o de Vaio,
aparentando ter ainda mais idade. Olhos mais claros dos que os de Samuel, sendo
ainda mais fascinante. As roupas, embora rotas, devido a longa permanência
naquelas sombras sem cuidado ou atenção, mostravam cores ainda mais fortes e
vivas dos que as de Samanta, como se tivessem sido ainda melhor trabalhadas
sugerindo uma vivacidade somente experimentada no infinito mundo da imaginação.
Seu caminhar e postura mostravam maior autoridade e honradez do que o de Sony,
mas ao mesmo tempo uma humildade e versatilidade que pareciam ser unicamente
suas.
Quando os outros se depararam com a tal
figura, antes uma voz sem corpo vinda das sombras, agora um homem de tal porte,
mas que ainda exalava profunda tristeza, se viram perplexos por descobrir que
existia algo naquele canto escuro, e ainda mais por tratar-se de alguém. Então
Vaio lhe perguntou:
- Qual
o seu nome?
E tudo o que o homem respondeu, dando,
assim, fim ao suspense que cobria os quatro e, também ao meu sonho foi:
- Muito
prazer. Eu me chamo Livro.